sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Dia Nacional da Consciência Negra

O Dia do Povo Brasileiro


Kizomba, Festa da Raça (1988)

G.R.E.S. Unidos de Vila Isabel (RJ)

Composição: Jonas / Rodolpho / Luiz Carlos da Vila


Valeu Zumbi!
O grito forte dos Palmares
Que correu terras, céus e mares
Influenciando a abolição

Zumbi valeu!
Hoje a Vila é Kizomba
É batuque, canto e dança
Jongo e maracatu

Vem menininha pra dançar o caxambu (bis)

Ôô, ôô, Nega Mina
Anastácia não se deixou escravizar
Ôô, ôô Clementina
O pagode é o partido popular

Sacerdote ergue a taça
Convocando toda a massa
Neste evento que congraça
Gente de todas as raças
Numa mesma emoção

Esta Kizomba é nossa Constituição (bis)

Que magia
Reza, ajeum e orixás
Tem a força da cultura
Tem a arte e a bravura
E um bom jogo de cintura
Faz valer seus ideais
E a beleza pura dos
seus rituais

Vem a Lua de Luanda
Para iluminar a rua (bis)
Nossa sede é nossa sede
e que o "apartheid" se destrua

Valeu!

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Nós somos um povo único. Um povo formado pela miscigenação de três progênies, três etnias, três culturas completamente diferentes. Isso nos fez um povo especial, único no mundo.
Leitura - Revista Eletrônica

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"Nós, brasileiros, somos um povo em ser, impedido de sê-lo. Um povo mestiço na carne e no espírito, já que aqui a mestiçagem jamais foi crime ou pecado. Nela fomos feitos e ainda continuamos nos fazendo. Essa massa de nativos viveu por séculos sem consciência de si... Assim foi até se definir como uma nova identidade étnico-nacional, a de brasileiros..."
Darcy Ribeiro,
em O Povo Brasileiro



Abaixo, trechos do depoimento de Darcy Ribeiro, gravado pela TV Cultura em 1995, ano do lançamento do livro O Povo Brasileiro.


Meu livro mostra por que caminhos e como nós viemos, criando aquilo que eu chamo de Nova Roma. Roma com boa justificação... Roma por quê? A grande presença no futuro da romanidade, dos neolatinos é a nossa presença. Isso é o Brasil, uma Roma melhor porque mestiça, lavada em sangue negro, em sangue índio, sofrida e tropical. Com as vantagens imensas de um mundo enorme que não tem inverno e onde tudo é verde e lindo, e a vida é muito mais bela... E é uma gente que acompanha esse ambiente com uma alegria de viver que não se vê em outra parte. Esse país tropical, mestiço, orgulhoso de sua mestiçagem... Isso é que me levou muito tempo. Entender como isso se fez... Havia muita bibliografia sobre aspectos particulares, mas não uma visão de conjunto. Deixa eu contar pra vocês como é que isso se fez?
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No Brasil a mestiçagem sempre se fez com muita alegria, e se fez desde o primeiro dia... Eu prometi contar como. Imagine a seguinte situação: uns mil índios colocados na praia e chamando outros: "venham ver, venham ver, tem um trem nunca visto"... E achavam que viam barcas de Deus, aqueles navios enormes com as velas enfurnadas... "O que é aquilo que vem?" Eles olhavam, encantados com aqueles barcos de Deus, do Deus Maíra chegando pelo mar grosso. Quando chegaram mais perto, se horrorizaram. Deus mandou pra cá seus demônios, só pode ser. Que gente! Que coisa feia! Porque nunca tinham visto gente barbada. Os portugueses todos barbados, todos feridentos de escorbuto, fétidos, meses sem banho no mar... Mas os portugueses e outros europeus feiosos assim traziam uma coisa encantadora: traziam faquinhas, facões, machados, espelhos, miçangas, mas sobretudo ferramentas. Para o índio passou a ser indispensável ter uma ferramenta. Se uma tribo tinha uma ferramenta, a tribo do lado fazia uma guerra pra tomá-la.
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Onde tinha algum europeu instalado na costa em contato com as naus, e portanto capaz de fornecer mercadoria, cada aldeia, e eram milhares de aldeias, levava uma moça pra casar com ele. Se ele transasse com a moça, então ele se tornava cunhado. Ele passou a ter sogro, sogra, genros... ele passou a ser parente. Então o sabido do português, do europeu, conseguia desse modo pôr milhares de índios a serviço dele, pra derrubar pau-brasil...
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No ventre das mulheres indígenas começavam a surgir seres que não eram indígenas, meninas prenhadas pelos homens brancos e meninos que sabiam que não eram índios... que não eram europeus. O europeu não aceitava como igual. O que era? Era uma gente "ninguém", era uma gente vazia. O que significavam eles do ponto de vista étnico? Eles seriam a matéria com a qual se faria no futuro os brasileiros...
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Esses filhos das índias aprendem o nome das árvores, o nome dos bichos, dão nome a cada rio... Eles aprenderam, dominaram parcialmente uma sabedoria copiosa, que os índios tinham composto em dez mil anos. Em dez mil anos os índios aprenderam a viver na floresta tropical, identificaram 64 tipos de árvores frutíferas, domesticaram muitas plantas, essas que a gente usa: mandioca, milho, amendoim.... quarenta e tantas que nós demos ao mundo...
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Mas esses índios que morriam sobreviviam naqueles mestiços que nasciam. Somos nós que carregamos no peito esses índios, os genes deles para reprodução e a sabedoria deles da mata. O Brasil só é explicável assim, é uma coisa diferente do mundo...
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Desde o princípio houve um partido de jesuítas que tinha uma utopia para os índios. Era fazer dos índios pios seráficos, religiosos, gente tão boa que era a melhor gente do mundo. Eles achavam que era a maneira de fazer o Paraíso na Terra. A religião pegou mesmo foi com as filhas das índias e das negras, as mestiças, que, não podendo satisfazer-se com a religião dos índios e dos negros, aceitavam e gostavam das novenas, das ladainhas, das missas, das procissões... E assim surgiu esse catolicismo santeiro e festeiro, que foi um belo catolicismo do Brasil até pouco tempo.
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A grande contribuição da cultura portuguesa aqui foi fazer o engenho de açúcar... movido por mão-de-obra escrava. Por isso, começaram a trazer milhões de escravos da África. O negócio maior do mercado mundial era a venda de açúcar para adoçar a boca do europeu e depois a remessa de ouro. Mas a despesa maior era comprar escravos. Os europeus sacanas iam à África e faziam grandes expedições de caça de negros que viviam ali uma vida como a dos índios aqui, com sua cultura, com sua língua, com seu modo... Metade morria na travessia, na brutalidade da chegada, de tristeza, mas milhões deles incorporaram-se ao Brasil.
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E esses negros não podiam falar um com o outro, veja esse desafio como é tremendo. Eles vinham de povos diferentes. Então, o único modo de um negro falar com o outro era aprender a língua do capataz, que nunca quis ensinar português. Milagrosamente, genialmente esses negros aprenderam a falar português. Quem difundiu o português foi o negro, que se concentrou na área da costa de produção do açúcar e na área do ouro... Mas preste atenção: com os negros escravos vinham as molecas de 12 anos, bonitinhas. Uma moleca daquelas custava o preço de dois ou três escravos de trabalho. E os donos de escravos queriam muito comprar, e os capatazes também. Comprar uma moleca pra sacanagem. Mas essas molecas pariam filhos, e quem era o filho? Era como o filho da índia. Ele não era africano, visivelmente. Ele não era índio. Quem era ele? Ele também era um "zé ninguém" procurando saber o que era. Ele só encontraria uma identidade no dia em que se definisse o que é o brasileiro.
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Esse país tomou conta de si pela primeira vez num movimento fantástico: a Inconfidência Mineira...
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Tiradentes foi esse herói nacional fantástico, um homem sábio, engenheiro que fez o serviço de águas do Rio de Janeiro, que fez o planejamento dos portos do Rio... e que conspirou na Europa, em Portugal e conspirou com os norte-americanos também. Era um intelectual que lia, conhecia a constituição americana e queria fazer uma república. Era respeitado pelos magistrados, pelos coronéis militares, pelos poetas, por aquele grupo atípico de Minas que quis criar uma República Brasileira, criar um Brasil e criar brasileiros, dando dignidade. Mas os portuguesas abafaram isto tão bem que continuou soterrada a idéia de liberdade e de autonomia do Brasil...
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Nos Estados Unidos as pessoas iam para o Oeste (o que corresponderia no Brasil a Goiás, Mato Grosso). Elas iam porque sabiam que se construíssem uma casa, fizessem uma roça ganhavam o direito de demarcar uma fazenda de 30 hectares. Aqui isto nunca deu certo porque um pequeno grupo monopolizou a terra, obrigou o povo a sair das fazendas. Eles não dividiam e sim expulsavam. Não é que eles usem a terra. Eles não usam dez por cento da terra que existe, mas expulsaram. E essa gente que foi expulsa vem viver uma vida miserável na cidade.
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Na periferia de São Paulo vive gente entregue a uma pobreza total. É de se perguntar: como tão poucos latifundiários fizeram a infelicidade de tantos brasileiros que estão em São Paulo, no Rio de Janeiro, no Recife, na Bahia, por toda parte?
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Muito sabido esse D. João VI. Descrevem-no como um bestão que andava numa carroça, comendo frango com as mãos e jogando os ossos para o lado... Ele é descrito popularmente como uma besta, mas não tem nada de besta. Enquanto os reis de Espanha ficavam querendo pedir perdão a Napoleão para continuar mandando, ele viu que o bom era o Brasil, não era Portugal. Ele largou aquela velharia e veio para cá, abriu os portos e começou a organizar o país. Trouxe 18 mil pessoas. Essa trasladação trouxe pra cá toda uma classe dominante já feita, muitos deles com cursos universitários em Coimbra. É essa gente que organiza o país.
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O negro guardou sobretudo sua espiritualidade, sua religiosidade, seu sentido musical. É nessas áreas que ele dá grandes contribuições e ajuda o brasileiro a ser um povo singular. Quando chegam na cidade são capazes de fazer coisas, por exemplo, a cultura do Rio de Janeiro, a beleza do Carnaval carioca, que é uma criação negra, a maior festa da Terra! A beleza de Iemanjá, uma mãe de Deus que faz o amor. Você não vai lá pedir que o marido não bata tanto, que não seja tão filho daquilo, vai pedir um amante gostoso. Isso é uma coisa fantástica! Um povo que é capaz de inventar uma coisa destas! Nunca houve depois da Grécia! Isso são os nossos negros, os nossos mulatos desse país.
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Esse país já feito, num certo momento recebe uma invasão branca... Veja a diferença. Os que foram para a Argentina caíram em cima do povo argentino, paraguaio e uruguaio que haviam feito seus países, que eram oitocentos mil, e disso saiu um povo europeizado. Aqui não, essa quantidade de gringos caiu em cima de quatorze milhões de brasileiros. Então foram absorvidos por nós. Encontraram um país feito, com um século de história, com cidades importantes. Deram, é claro, uma grande contribuição e continuam dando, mas muitos deles não conhecem nada e acham que deram o automóvel. Essa influência das matrizes índias, negras e européias foi descrita algumas vezes como uma democracia racial. Aqui não há nenhuma democracia racial. Aqui é muito duro ser negro, O preconceito nosso é por natureza diferente do preconceito americano. Aqui há um conceito curioso de branquização, o negro quando vai ficando claro, a mestiçagem facilita isso sobretudo quando vai ficando rico, fica branco. Esse preconceito de branquização é um conceito bonito, não é democracia racial. É branquização, é uma possibilidade até preconceituosa de que o negro é aceito como alguém que vai deixar de ser negro, que vai transar com todas as brancas que vão clarear os filhos deles. É um preconceito, de certa forma, melhor do que um apartheid, que quer que o negro fique longe, fique distante para respeitá-lo lá longe, mas não quer proximidade com ele. Nós queremos é confluir, misturar. Isso é bom, mas não pode ser chamado de democracia racial.
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É muito duro para um negro fazer carreira no Brasil. Eles são a parcela maior da camada mais pobre que tá lá, no fundo do fundo, e é a camada onde pesa mais o analfabetismo, a criminalidade, a enfermidade. E é claro que precisam de uma compensação que nunca tiveram. Eles fizeram este país, construíram ele inteiro e sempre foram tratados como se fossem o carvão que você joga na fornalha e quando você precisa mais compra outro. A atitude para com o negro e o mulato e com o pobre é muito bruta. Sobretudo os branquinhos de merda, que tem uma atitude muito freqüentemente de profundo preconceito e nenhum respeito para com essa gente que fez o Brasil.
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Mas foi essa gente nossa, feita da carne de índios, alma de índios, de negros, de mulatos, que fundou esse país. Esse "paisão" formidável. Invejável. A maior faixa de terra fértil do mundo, bombardeada pelo sol, pela energia do sol. É uma área imensa, preparada para lavouras imensas, produtoras de tudo, principalmente de energia. A Amazônia devia ser um país, porque é tão diferente. O nordeste, até a Bahia... outro país que é diferente. A Paulistânia e as Minas Gerais juntas são outra gente... O sul, outra gente... Esse povão que está por aí pronto pra se assumir como um povo em si e como um povo diferente, como um gênero humano novo dentro da Terra. É claro que eu tinha de fazer um livro sobre o Brasil que refletisse de certa forma isso. E vivi fazendo pesquisa, e vivi muito com negros, brasileiros, pioneiros de todo o lugar do Brasil. E li tudo que se falou do Brasil. Então estava preparado pra fazer esse livro. E gosto dele. Tenho orgulho do fundo do peito de ter dado ao Brasil esse livro. É o melhor que eu podia dar. Gosto muito disso.

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Ficha Técnica
Realização: TV Cultura - 1995
Roteiro e direção: Regina M. Ferreira
Produção: Cristina Winther, Estela Padovan, Márcia Régis, Regina Gambini
Reportagem: Márcia Régis
Pesquisa iconográfica: Nercy Ferrari
Imagens: Edgar L., João Bosco Batista Lopes, José Elias da Silva
Edição de imagens: Antonio Asa
Pós-produção: Dario de Oliveira
Narração:José Augusto Arnelas
Chefe de Redação: Vicente Adorno
Departamento de Documentários: Teresa Otondo
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"A luta mais árdua do negro africano e de seus descendentes brasileiros foi (e ainda é) a conquista de um lugar e de um papel de participante legítimo na sociedade nacional."
O Povo Brasileiro


"A distância social mais espantosa do Brasil é a que separa e opõe os pobres aos ricos. A ela se soma a discriminação que pesa sobre índios, mulatos e negros."
O Povo Brasileiro